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Para uma História da Psicologia

Os textos abaixo, de Paul Mengal, são de 1988 e 1994. Mas eles mostram algo pouco recebido pela crítica até hoje: certo esquecimento das bases históricas da Psicologia pelos próprios psicólogos. Se, por exemplo, um Físico não pode ignorar o nascimento da física moderna a partir de figuras como Copérnico e Galileu, ou da criação de instrumentos como o telescópio (isto é: o físico foi obrigado a reconhecer, para a constituição da física moderna, alguns critérios, mesmo que inexatos), em História da Psicologia a disciplina perdeu-se numa série de ilusões retrospectivas. 
 
Quando retorna ao passado para enxergar o presente, muitas vezes o Psi encontra espécies de interrogações destituídas de interesse para uma história da Psicologia, senão sob caricaturas retrospectivas. Assim, por exemplo, Platão, Aristóteles ou Descartes teriam teorias que seriam uma espécie de "museu do ultrapassado": falam sobre a mente ou alma, mas sob motivos, no fundo, ultrapassados e irrelevantes. Seriam, no fundo, "figuras importantes sem importância". 
 
E quando olha do presente para o passado, o Psi prende-se em juízos retrospectivos ligados a compromissos que permanecem inconfessos, mas que direcionam previamente todo julgamento sobre a História. 
 
Isso começou ao menos com Hermann Ebbinghaus, na virada do século XX, quando disse que a Psicologia tem um "longo passado, mas uma curta história".
Ebbinghaus queria usar seu positivismo como ponto arquimediano sobre o qual giraria a História da Psicologia inteira. Seus motivos foram popularizados por historiadores como Edwin G. Boring (em torno de 1929), e depois difundidos numa imensa cultura de manuais de Psicologia. 

Muitos criticaram o "positivismo" de Ebbinghaus, mas o enfoque internalista, retrospectivo e presentista em história, consolidado por ele, permaneceu.

Muita Psicologia ainda se acha capaz de julgar a História a partir dos critérios internos que adota. Assim, pode-se acusar o anti-cientificismo usando um critério cientificista; pode-se também utilizar outros termos de base, tais como "autenticidade", "singularidade", "esfera concreta" ou "social" ou qualquer outro para girar sob si o eixo da História e fazer cair como falsa qualquer outra Psicologia.

Sob tais procedimentos, uma história que tenta demonstrar como determinados conceitos e protocolos se tornaram possíveis para compor o presente, ficou na penumbra.

É um pouco esse o esforço de Mengal, dentre outros historiadores: perguntando sobre como a Psicologia se tornou possível, ao invés de (por assim dizer) já lançar sobre a história juízos presentistas e retrospectivos, ele encontrou uma série de autores e questões pouco considerados, mas que dizem respeito à criação do termo "Psicologia" no século XVI e seu destino e implicações.

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O suicídio entre os jovens

Muito bom o texto de Eliane Brum sobre a questão do suicídio entre os jovens: por que, neste século, mais adolescentes parecem deletar a própria vida?
No Brasil, entre 2000 a 2015, os suicídios aumentaram 65% dos 10 aos 14 anos e 45% dos 15 aos 19 anos, segundo levantamento do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência no Brasil. Nos últimos dois anos, os números podem indicar uma pequena estabilização, mas só daqui mais um ano será possível afirmar se é uma tendência ou apenas uma oscilação. No mundo, o suicídio já é a segunda causa de morte entre adolescentes, segundo a Organização Mundial da Saúde. Por que mais jovens se suicidam hoje do que ontem?
 Um dos créditos do texto de Eliane está em inverter a pergunta mais automática: não por que os adolescentes se matam, mas, num mundo como o atual, por que não se matam, isto é, não seria de estranhar se, num mundo que oferece menos sentido e condições vitais, os adolescentes pensassem menos sobre a própria morte?
por que não haveria mais adolescentes interrompendo a própria vida nos dias atuais do que no passado? Na leitura do momento, me parece que o espanto se justificaria se, num mundo distópico, houvesse menos jovens com dificuldade de encontrar sentidos diante do desespero.
A pergunta, portanto, não é sobre quem se suicida, mas sobre nós, sobre o mundo que o adolescente deixa para trás quando se mata. 

- É um mundo, como diz Eliana, de aquecimento global, de ausência de água, um mundo desfigurado e cujo único anúncio é o colapso e o apocalipse. Não à toa as séries da moda - isto é, nosso imaginário - anunciam um presente distópico ou um futuro ameaçador.

- O mesmo mundo é o da internet, no qual tudo se anuncia e sem máscaras. Não no sentido de que mais coisas deveriam ser ocultas, mas no de que nada parece estar aí sem o imperativo de ser totalmente desnudado.

- Igualmente, o suicídio aparece como fracasso do adolescente ou de sua própria família. É o atestado de insucesso num mundo no qual, conforme dito acima, tudo deve ser obrigatoriamente visível e sem máscaras. Diante do escancaramento do fracasso, a anulação total.

- E, ao invés da doença, da angústia ou do desespero, é o suicídio que toma forma como resposta. É o "deletar" a si mesmo, conforme Eliana bem chama a atenção.

- Como antídoto, a tentação imediata é a de criar manuais e protocolos para "evitar" o suicídio. Novamente, fechamos tudo em papéis individuais. É ele, é o outro. O fundamental, que é o convívio social e a coletividade, está fora de questão. Ou, como Eliana parece também sugerir, o fechamento no individual refere-se tanto à responsabilidade individual de se matar quanto a de ser "responsável" pelo suicídio de alguém: "a" família, "os" amigos, "a" faculdade.

- O Outro como ameaçador se impessoaliza numa internet que deixa rastros, como no caso de Yonlu, adolescente que se suicidou no RS assistido e auxiliado por diversas pessoas ao redor do mundo. Em suma: somos soterrados por informação e não há tempo ou espaço para elaborar. Da informação comum às crises existenciais, o dado básico é a ansiedade e o cansaço. A super-exposição também obsceda. Conforme Mario Corsi, psicólogo entrevistado por Eliana,
Por exemplo, o bullying antes era restrito a um lugar, ficava na escola. Hoje ele não para, não dá trégua e não dá àquele que sofre o direito de recomeçar. A internet não esquece.

- As plataformas de interação dos adolescentes também nos denunciam: likes e blocks, emoticons nos quais deletamos ou somos deletados, criando um tempo e um espaço no qual nos afastamos no uso de nossos próprios espaços e tempos. Há, como diria Jaron Lanier, uma correlação entre o aumento do uso das redes sociais - especialmente as feitas sob a base de likes - e o aumento mundial dos suicídios.

O escancaramento do fracasso envolve, igualmente, o preço total do "ou o sucesso, ou nada". Não se pode ser adolescente sem o curso visível de um sucesso que não pode ser outra coisa senão inevitável. Como viver sob exposição total e sem sucesso? Não há tempo para a falta, não há angústia ou náusea. Num mundo sem lacunas e onde só pode haver luz, não espanta abrir-se tamanha escuridão.

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Uma "história filosófica" da Psicologia

Em 2017 Saulo Araujo publicou Toward a philosophical history of psychology: An alternative path for the future, artigo que parece ter ocasionado certo burburinho nos meios anglófonos, bem como uma resposta de Araujo a eles. 

O que parece saltar aos olhos, disso tudo, é o conjunto de malentendidos e de interpretações enviesadas que esse tipo de debate ocasiona. 

A primeira coisa que me espanta é a "história da Psicologia", especialmente americana (e a brasileira a imita bastante), ter desenvolvido uma espécie de agenda institucional de história como se funcionasse independentemente das demais discussões em história e filosofia da ciência.

Um breve exemplo: em física é possível ser físico, e também se pode fazer história da física. As duas ocupações são bastante independentes a ponto de um físico pouco incomodar-se com sua própria história, ou ainda, pouco incomodar-se com qualquer outro tipo de historiador (vindo da História, da Filosofia, da Sociologia...) que se ocupe com seus assuntos, inclusive de forma por assim dizer "não-física", exterior ao métier do físico. 

Aliás, é incrível, por exemplo, ver um conjunto imenso de questões teóricas ser relegado a assuntos tais como "física teórica", que não obstante faz parte da física tout-court. Assuntos eminentemente filosóficos, como a "teoria das cordas", não chegam a ser chamados de "filosofia". 

Em resumo: vê-se entre os físicos inclusive certo despeito (inclusive no mal sentido) para com o que a história ou outras áreas podem fazer ou contribuir para com a física. E inversamente, vê-se trabalhos muito ricos de história da física feitos por filósofos e outros "não-físicos".

Em Psicologia parece diferente: quase todo historiador da Psicologia é psicólogo, formado entre psicólogos e estudando história da Psicologia em departamentos de psicologia. Mesmo que em Psicologia exista abertura para ver outras áreas e adequá-las em assuntos psicológicos, parece que há uma espécie de "agenda interna" que sempre subsume qualquer assunto em história da Psicologia para dentro dos muros institucionais dos psicólogos. Alguém se torna "historiador da Psicologia" estudando, via de regra, entre psicólogos.

Disso, parece-me notável o quanto o trabalho de Araujo tem ao mesmo tempo aberto portas e fornecido fatores que parecem pouco compreendidos por muitos psicólogos. 

É o caso de sua "história filosófica" da Psicologia. Ele argumenta no texto que, desde os anos 1960, houve uma grande institucionalização em história da psicologia, acompanhada de historiografias inspiradas em outras historiografias críticas e de "social turn". Dentre os exemplares ele cita estudos como o de Thomas Kuhn, que temporalizaram e, por assim dizer, "sociologizaram" os estudos em ciência. 

Diante disso, Araujo propõe com sua "história filosófica" algo que deveria parecer absolutamente trivial, mas incrivelmente não parece: estudar a história de uma ciência não retira de questão estudar o modo essencialmente polêmico com o qual uma ciência se relaciona com seu presente e com o seu passado, tornando-a polêmica em sua própria existência, e transmutando o presente em "atualidade", como diriam Bachelard e outros. É estudar como ela constrói sua arquitetura com base em seus conceitos e como esses conceitos "secretam" (para usar uma palavra de Canguilhem) uma história própria, que precisa ser compreendida na ligação desses conceitos com outros conceitos (filosóficos e científicos) e com uma imensa rede de outros fatores, por assim dizer, "não conceituais". 

Em suma: uma "história filosófica" não descarta o fato de que conceitos são formulados em agendas extra-científicas, mas não reduz a formação dos conceitos a aspectos positivistas e "internalistas"; e por outro lado, assume que cada ciência possui um conjunto de historicidades próprias das quais, se elas encontram suas condições de possibilidade também em outros fatores extra-científicos (por exemplo, sociológicos), isso não significa que toda ciência se reduza a esses condicionantes exteriores. Em suma: análise conceitual ligada a uma "história filosófica", sem recair nos ditos "internalismos" e "externalismos". 

O próprio Canguilhem, a esse respeito, dizia, em L'Objet de l'histoire des sciences, que 
A história das ciências não é uma ciência e seu objeto não é um objeto científico. Fazer, no sentido mais operativo do termo, uma hsitória das ciências, é uma das funções, e não a mais fácil, da epistemologia filosófica.
Parece-me surpreendente o quanto esse tipo de consideração, tão antiga, é tão pouco lida. Mas é precisamente por esse caminho que Araujo anda, caminho que não parece bem entendido por muita gente.

E caminho que também é trilhado por historiadores da filosofia, ou mesmo por quem quer tomar a história da psicologia como assunto de história da filosofia e das ciências.

Ele diz, por exemplo, que uma "história filosófica da psicologia" envolve um aspecto "crítico" (pois não celebra qualquer projeto psicológico), "policêntrico" (pois envolve os mais diversos projetos) e "internacional" (não diz respeito ao eixo anglo-europeu). Além disso, tal história visa a "coerência e racionalidade dos projetos psicológicos em seus próprios contextos históricos" (p. 10). 

Em suma: salta aos olhos que uma história da psicologia já não devesse ser aberta a outros domínios, especialmente filosóficos (digo isso em sentido bastante geral). É claro que o psicólogo retém questões filosóficas em Psicologia. Mas ele não pareceu ter percebido ainda o contrário: o quanto a Psicologia pode ser analisada sob pontos de vista que nada devem à Psicologia.

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Lorem Ipsum

"All testing, all confirmation and disconfirmation of a hypothesis takes place already within a system. And this system is not a more or less arbitrary and doubtful point of departure for all our arguments; no it belongs to the essence of what we call an argument. The system is not so much the point of departure, as the element in which our arguments have their life."
- Wittgenstein

Lorem Ipsum

"Le poète ne retient pas ce qu’il découvre ; l’ayant transcrit, le perd bientôt. En cela réside sa nouveauté, son infini et son péril"

René Char, La Bibliothèque est en feu (1956)


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