O termo “Daseinsanalyse” apareceu pela
primeira vez em 1927 na obra-mestra de Martin Heidegger, Ser e Tempo.
Foi imediatamente traduzido para francês por “analyse existentielle”.
Mas esta denominação está na origem de um contra-senso sobre o sentido
original que Heidegger deu ao termo Dasein: é essa a razão pela qual
tomamos o hábito de conservar o termo alemão Dasein, mesmo em francês.
Este termo, que significa literalmente “ser-aí”, é aquele pelo qual a
filosofia alemã traduziu, depois de Kant, o latim existentia,
mas Heidegger deu-lhe um sentido muito particular, já que designa na sua
filosofia exclusivamente o ser do homem que, uma vez que a compreensao
do ser lhe pertence, não pode ser definido de outro modo que como o modo
de ser fora de si, como ex-istencia – este termo não designando mais em
Heidegger o simples facto de ser para um qualquer ente, mas
exclusivamente o modo de ser proprio do Dasein. A compreensão efectiva
que o Dasein tem de si mesmo é, pois, uma compreensão existencial. Mas
aquilo que Heidegger designa por analise existencial ou Daseinsanalyse
nao se situa ao nível simplesmente “ôntico” do comportamento individual
concreto, mas ao de uma explicitação tematica da sua estrutura
ontológica. A tarefa da anaıtica existencial consiste em distinguir e em
analisar as modalidades de ser fundamentais do Dasein, os seus
existenciarios. A diferença entre “existencial” e “existenciario” deve
ser claramente sublinhada: não há nível existenciario sem fundamento
existencial, quer dizer, sem a compreensao que tem da sua própria
existência um Dasein em cada caso singular. Mas a analise existencial,
uma vez que não visa unicamente um Dasein particular, mas o Dasein como
tal, constitui a ontologia fundamental que serve de solo a todas as
ontologias regionais, que tem por tarefa elucidar o modo de ser dos
entes diferentes do Dasein, daqueles que procedem, por exemplo, da
regiao “natureza” ou “vida”.
É Ludwig Binswanger (1881-1966) o
verdadeiro fundador da psiquiatria daseinsanalítica. Ludwig Binswanger,
que dirigira a partir de 1910 e até a sua morte a clínica Bellevue,
fundada pelo seu pai em Kreuzlingen, na Suiça, encontrou Freud pela
primeira vez em 1906 e nao parou mais de se dar com este, como atesta a
sua correspondencia, um diálogo crítico que se estende sobre mais de
trinta anos. E, com efeito, na crítica do psicologismo que dirige
Husserl no primeiro tomo das suas Investigações Lógicas, aparecidas em
1900, e na sua redefiniçao da consciência em termos de intencionalidade e
de sentido, que Binswanger vai encontrar os motivos para se opor ao
naturalismo demasiado estreito de Freud. Começa entao a designar a
direcção da sua pesquisa, que se desenvolveu em relação com a
fenomenologia husserliana, com o nome de “antropologia fenomenologica”,
integrando-se assim na larga corrente da “antropologia fenomenologica”,
que reuniu a partir dos anos 20, para alem do próprio Binswanger, o
neurologista Victor von Weizsäcker (O círculo da estrutura, aparecido em
1939), o neuropsiquiatra Erwin Strauss (Sobre o sentido dos sentidos,
aparecido em 1935), e o psiquiatra frances Eugêne Minkowski (O tempo
vivido, 1933) e muitos outros ainda, que se reclamavam da obra de
Jaspers (Psicopatologia geral, 1913, traduzida para frances desde 1933),
mas tambem de Scheler, Kierkegaard, Brentano, Dilthey, Natorp, Lipps,
Bergson, antes de sofrerem as influências decisivas de Husserl e de
Heidegger.
Fonte: Lusofonia.
http://www.lusosofia.net/textos/20120506-dastur_francoise_daseinsanalyse.pdf
Artigo publicado originalmente em Res Publica , Revista da Associação de Filosofia da Universidade de Paris XII - Val de Marne, n o 22, Novembro- Dezembro-Janeiro 99/2000, pp. 41-45 e traduzido no ambito do Projecto “Hei- degger em Portugu ˆ es”. A vers ̃ ao francesa apareceu igualmente em: D ASTUR , Franc ̧oise. “Qu’est-ce que la Daseinsanalyse?” Phainomenon 11 (2005), 125- 13
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