O suicídio entre os jovens

Muito bom o texto de Eliane Brum sobre a questão do suicídio entre os jovens: por que, neste século, mais adolescentes parecem deletar a própria vida?
No Brasil, entre 2000 a 2015, os suicídios aumentaram 65% dos 10 aos 14 anos e 45% dos 15 aos 19 anos, segundo levantamento do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência no Brasil. Nos últimos dois anos, os números podem indicar uma pequena estabilização, mas só daqui mais um ano será possível afirmar se é uma tendência ou apenas uma oscilação. No mundo, o suicídio já é a segunda causa de morte entre adolescentes, segundo a Organização Mundial da Saúde. Por que mais jovens se suicidam hoje do que ontem?
 Um dos créditos do texto de Eliane está em inverter a pergunta mais automática: não por que os adolescentes se matam, mas, num mundo como o atual, por que não se matam, isto é, não seria de estranhar se, num mundo que oferece menos sentido e condições vitais, os adolescentes pensassem menos sobre a própria morte?
por que não haveria mais adolescentes interrompendo a própria vida nos dias atuais do que no passado? Na leitura do momento, me parece que o espanto se justificaria se, num mundo distópico, houvesse menos jovens com dificuldade de encontrar sentidos diante do desespero.
A pergunta, portanto, não é sobre quem se suicida, mas sobre nós, sobre o mundo que o adolescente deixa para trás quando se mata. 

- É um mundo, como diz Eliana, de aquecimento global, de ausência de água, um mundo desfigurado e cujo único anúncio é o colapso e o apocalipse. Não à toa as séries da moda - isto é, nosso imaginário - anunciam um presente distópico ou um futuro ameaçador.

- O mesmo mundo é o da internet, no qual tudo se anuncia e sem máscaras. Não no sentido de que mais coisas deveriam ser ocultas, mas no de que nada parece estar aí sem o imperativo de ser totalmente desnudado.

- Igualmente, o suicídio aparece como fracasso do adolescente ou de sua própria família. É o atestado de insucesso num mundo no qual, conforme dito acima, tudo deve ser obrigatoriamente visível e sem máscaras. Diante do escancaramento do fracasso, a anulação total.

- E, ao invés da doença, da angústia ou do desespero, é o suicídio que toma forma como resposta. É o "deletar" a si mesmo, conforme Eliana bem chama a atenção.

- Como antídoto, a tentação imediata é a de criar manuais e protocolos para "evitar" o suicídio. Novamente, fechamos tudo em papéis individuais. É ele, é o outro. O fundamental, que é o convívio social e a coletividade, está fora de questão. Ou, como Eliana parece também sugerir, o fechamento no individual refere-se tanto à responsabilidade individual de se matar quanto a de ser "responsável" pelo suicídio de alguém: "a" família, "os" amigos, "a" faculdade.

- O Outro como ameaçador se impessoaliza numa internet que deixa rastros, como no caso de Yonlu, adolescente que se suicidou no RS assistido e auxiliado por diversas pessoas ao redor do mundo. Em suma: somos soterrados por informação e não há tempo ou espaço para elaborar. Da informação comum às crises existenciais, o dado básico é a ansiedade e o cansaço. A super-exposição também obsceda. Conforme Mario Corsi, psicólogo entrevistado por Eliana,
Por exemplo, o bullying antes era restrito a um lugar, ficava na escola. Hoje ele não para, não dá trégua e não dá àquele que sofre o direito de recomeçar. A internet não esquece.

- As plataformas de interação dos adolescentes também nos denunciam: likes e blocks, emoticons nos quais deletamos ou somos deletados, criando um tempo e um espaço no qual nos afastamos no uso de nossos próprios espaços e tempos. Há, como diria Jaron Lanier, uma correlação entre o aumento do uso das redes sociais - especialmente as feitas sob a base de likes - e o aumento mundial dos suicídios.

O escancaramento do fracasso envolve, igualmente, o preço total do "ou o sucesso, ou nada". Não se pode ser adolescente sem o curso visível de um sucesso que não pode ser outra coisa senão inevitável. Como viver sob exposição total e sem sucesso? Não há tempo para a falta, não há angústia ou náusea. Num mundo sem lacunas e onde só pode haver luz, não espanta abrir-se tamanha escuridão.

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René Char, La Bibliothèque est en feu (1956)


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